Saiba os riscos e as exigências legais de um trespasse
São muitos os detalhes na hora de comprar/vender um estabelecimento comercial (trespasse).
Estas particularidades não podem ser relegadas a um segundo plano, já que podem trazer diversos riscos para o comprador e/ou para o vendedor, além de serem exigências legais necessárias para que o negócio tenha validade jurídica e efeitos perante terceiros.
1º Risco: Comprador perder o estabelecimento depois de comprar em razão da situação patrimonial do vendedor após a venda (ineficácia do trespasse)
Um dos principais requisitos do trespasse, determinado pelo Código Civil (Lei nº 10.406/2002,artigo 1.145), é a notificação e obtenção de anuência dos credores do estabelecimento a ser alienado (vendido e comprado), antes do trespasse.
Segundo a lei, se for comprado um estabelecimento comercial (trespasse) e o vendedor (antigo dono), posteriormente se tornar insolvente perante seus credores, então a eficácia do trespasse dependerá do pagamento de todos os credores.
Qualquer credor não pago pode requerer a falência do alienante (vendedor). A legislação prevê esta possibilidade (artigo 94, III, c, da Lei de Falências – Lei nº 11.101/2005). Geralmente não ocorre, mas é um risco para o adquirente (comprador), pois o trespasse é considerado ineficaz perante a massa falida (artigo 129, VI, da Lei de Falências). Em outras palavras, o comprador pode perder o estabelecimento que comprou.
Sendo assim, o comprador do estabelecimento pode acabar tendo que se responsabilizar pelas dívidas anteriores ao trespasse, caso não tenha sido cumprida a exigência de notificação e anuência prévia dos credores e o vendedor não tenha bens suficientes para saldar esse passivo, pois, se essas dívidas não forem pagas, o comprador pode perder o estabelecimento comprado em eventual ação de falência movida por algum credor.
2º Risco: Comprador ter que pagar por débitos anteriores ao trespasse (dívidas na área civil/empresarial)
Para as dívidas empresariais ou cíveis (isto é: dívidas com fornecedores, clientes, bancos, todas as dívidas excluindo as trabalhistas e tributárias/fiscais), teoricamente, diz a Lei nº10.406/2002 (artigo 1.146), que o comprador do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à compra, desde que “regularmente contabilizados”. Em outras palavras, o comprador responde por todas as dívidas contabilizadas.
Portanto, para segurança tanto do comprador quanto do vendedor, antes de comprar um estabelecimento comercial, é necessário avaliar a relação de créditos e débitos do estabelecimento (fazendo verdadeira auditoria em sua contabilidade, pelo menos, olhando o último balanço contábil atualizado e o último livro diário, ou balancete diário, que traz toda a movimentação financeira e todas as dívidas assumidas). Se houver algum débito não descrito nessa relação previamente apresentada (omissão na contabilidade), então o comprador não fica responsável por ele (Lei nº 10.406/2002, artigo 1.146), de modo que a dívida não contabilizada não existe para o novo dono.
No contrato de trespasse, onde se combina todos os detalhes da venda e compra do estabelecimento entre alienante (vendedor) e adquirente (comprador), pode ser determinado que o comprador responderá apenas pelo pagamento dos débitos posteriores à compra, enquanto o vendedor responderá pelas dívidas anteriores ao trespasse (de modo que cada um deva pagar o débito que originou). No entanto, caso aconteça o pior (o vendedor entre em falência ou insolvência), de nada adiantará esta determinação contratual, pois o comprador terá que arcar com o ônus de saldar as dívidas anteriores do estabelecimento se quiser manter o negócio (para que este não seja declarado ineficaz perante terceiros credores).
Vale ressaltar que o alienante deve responder de forma solidária com o comprador, se ele (comprador) é acionado por algum credor, durante o prazo de 1 ano, de acordo com a legislação (Lei nº 10.406/2002, artigo 1.146). Portanto, o comprador pode entrar com processo (ação regressiva) contra o vendedor, ou já trazer ele para o processo judicial que surgir sem incluí-lo.
3º Risco: Comprador ter que pagar dívidas trabalhistas geradas pelo antigo dono
Com relação às dívidas trabalhistas, valem outras regras, não importando a questão da “omissão na contabilidade”, por exemplo.
As dívidas trabalhistas podem ser cobradas pelos trabalhadores numa ação judicial tanto do antigo quanto do novo dono do estabelecimento, pois para a legislação trabalhista, não importa o trespasse, considerando-se que houve “sucessão empresarial” de qualquer jeito (artigo 448 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT).
Igualmente, existe também nos tribunais o entendimento de que é o novo dono o responsável por dívidas trabalhistas, sejam anteriores ou posteriores ao trespasse, enquanto o antigo dono somente se responsabiliza se ficar comprovada fraude (por exemplo: se vende um estabelecimento todo endividado, se em vez de fazer trespasse faz cessão de quotas).
Muitos pensam que se o antigo dono demitir todos os trabalhadores será mais seguro para o novo dono do estabelecimento. Porém, isso não vai diminuir o risco, pois a pessoa que comprou o estabelecimento assume o passivo trabalhista, de um jeito ou de outro. Além disso, mesmo pagando tudo corretamente, não há certeza que ninguém vá processar a empresa, sendo necessário que se tenha toda a documentação organizada comprovando que está tudo certo.
4º Risco: Comprador ter que pagar dívidas fiscais (tributárias) geradas pelo antigo dono
Para as dívidas fiscais/tributárias (relativas a impostos), também há outras regras.
Segundo o artigo 133 do Código Tributário Nacional, as dívidas fiscais podem ser cobradas pelo Fisco tanto do novo quanto do antigo dono do estabelecimento, a depender do caso.
1º caso: Responsabilidade integral (direta ou solidária): O novo dono pode este ser cobrado integralmente, diretamente e solidariamente com o antigo (ou seja, o novo dono pode ser cobrado antes mesmo do antigo, ou ambos podem ser cobrados em conjunto), se, cumulativamente:
Novo dono continua explorando, no local, a mesma atividade comercial/empresarial do antigo dono | + | Antigo dono deixou de explorar qualquer atividade econômica |
Neste caso, se o vendedor ficar pelo menos 6 meses sem exercer nenhuma atividade (ou exercendo no nome de um terceiro, sem ninguém saber), então a responsabilidade recai toda sobre o comprador (novo dono do estabelecimento).
2º caso: Responsabilidade subsidiária: O novo dono pode este ser cobrado subsidiariamente ao antigo (ou seja, somente se o antigo dono não tiver mais patrimônio para pagar o Fisco, que já esgotou as possibilidades de busca de bens para saldar o passivo), se, cumulativamente:
Novo dono continua explorando, no local, a mesma atividade comercial/empresarial do antigo dono | + | Antigo dono continua a explorar qualquer atividade empresarial (nem precisa ser no mesmo ramo) nos 6 meses seguintes à venda do estabelecimento |
Neste segundo caso, portanto, se o Fisco tentar cobrar do comprador, ele pode indicar o vendedor primeiro para que pague os débitos, sendo que o novo dono só seria atingido se o antigo não tiver bens ou dinheiro.
Como o comprador pode se proteger caso queira adquirir um estabelecimento?
1º passo: Realizar uma “due diligence”
Tendo em vista essa grande quantidade de possíveis transtornos na compra de um estabelecimento comercial/empresarial, todos esses riscos precisam ser colocados na ponta do lápis antes de realizar um trespasse (comprar um estabelecimento).
Assim, toda pessoa que desejar comprar um estabelecimento precisa avaliar bem o negócio antes de realizá-lo, realizando verdadeira auditoria a respeito de toda a sua situação no mercado: seus créditos, seus débitos, seus contratos, sua contabilidade (verificando balanços patrimoniais, balancetes diários, todas as possíveis demonstrações contábeis etc.), suas perspectivas futuras de negócio, a legalidade de sua estrutura, contratos, empréstimos, litígios judiciais possíveis e pendentes, situação das suas relações de trabalho, situação fiscal, dentre outros aspectos.
Essa busca e análise de informações é sempre feita por grandes corporações quanto vão adquirir estabelecimentos ou realizar fusões, sendo habitualmente chamada de due diligence.
Se, após realizada a análise (due diligence), o comprador verificar que tem condições financeiras e que vale a pena (economicamente) arcar com o pagamento de dívidas anteriores caso os credores comecem a criar problemas (e o antigo dono demonstrar que não irá pagar), então a compra do estabelecimento pode ser efetivada por ter sido considerada como boa numa avaliação de “custo x benefício” a curto, médio ou longo prazo.
2º passo: Celebrar um “pré-contrato”
Enquanto a due diligence é realizada, é interessante celebrar um “pré-contrato” com a pessoa que venderá o estabelecimento.
Tendo em vista a demora normal de uma auditoria dessas – haja vista a grande quantidade de análises necessárias para averiguar se a compra tem riscos aceitáveis e se será atraente –, o pré-contrato terá o objetivo de garantir que o estabelecimento não seja vendido a um terceiro enquanto o comprador realiza adue diligence. Assim, o pré-contrato estabelecerá um prazo no qual o comprador realizará a auditoria, de modo que o vendedor deverá aguardar este tempo de averiguação.
O pré-contrato também poderá ter a finalidade de fazer com que as partes guardem sigilo sobre a negociação, enquanto a verificação da due diligence é feita.
3º passo: Obter concordância dos credores
Para evitar dor de cabeça, evitando o “1º risco” indicado, é bom realizar, antes da celebração do trespasse, a notificação dos credores, obtendo sua anuência.
A autorização dos credores pode ser expressa, manifesta, escrita. Porém, ela também pode ser tácita (não expressa). A lei considera que, se depois de 30 dias do recebimento da notificação, o credor não se manifestar expressamente, então se presume que ele concordou com o trespasse (artigo 1.145 do Código Civil).
4º passo: Reservar parte do pagamento para momento posterior
No valor estabelecido para o comprador pagar o vendedor pela aquisição do estabelecimento, uma parte dessa quantia pode ser reservada para que seja liberada apenas depois de alguns anos (normalmente, as empresas combinam 5 anos).
Essa parte do valor da compra servirá para garantir o passivo já existente ou o risco de um possível passivo.
A quantia pode ficar reservada, por exemplo, numa conta separada das contas do vendedor e do comprador, e bloqueada para que só possa ser acessada pelo vendedor depois que passar o tempo determinado pelas partes.
No âmbito trabalhista, por exemplo, mesmo que tudo tenha sido pago corretamente pelo vendedor, é sempre possível que alguém entre com uma ação judicial, e a empresa só conseguirá se defender se tiver todos os documentos em ordem.
5º passo: No contrato de trespasse, colocar cláusula com “direito de regresso”
É conveniente ao comprador que o contrato de trespasse contenha uma cláusula estabelecendo seu “direito de regresso” em face do vendedor.
Trata-se de um direito que alguém tem de ser ressarcido por ter sido obrigado a pagar o prejuízo causado por outra pessoa.
Então, caso o comprador tenha que arcar com um passivo (seja de qualquer natureza: cível, empresarial, trabalhista, fiscal etc.) que não estava previsto e não ficou estabelecido que ele iria suportar, ele poderá entrar com ação judicial contra o vendedor para cobrar um ressarcimento.
Essa cláusula contratual de regresso não vale para terceiros, somente entre as partes do trespasse (comprador e vendedor). Por isso, se o comprador for processado no âmbito trabalhista, por exemplo, não adianta tentar se defender dizendo que no contrato de trespasse estava estabelecido diferente. Ele terá que arcar com a questão do processo e, somente depois, pedir o ressarcimento ao vendedor, em ação de regresso (um outro processo judicial, que o comprador irá entrar contra o vendedor).
Porém, a ação regressiva só será efetiva se o vendedor realmente tiver patrimônio para pagar o comprador para seu reembolso. Em outras palavras, é algo que só dá certo com um devedor que realmente tenha dinheiro (é o que dizem: “credor de pobre é azarado”).
6º passo: Cumprir com todos os requisitos legais para o trespasse
Sendo realizada a negociação, com a efetivação da compra do estabelecimento (trespasse), deve-se cumprir com todos os requisitos para que o contrato seja válido e eficaz.
Dentre estes requisitos, segundo o Código Civil (artigo 1.144), os essenciais são:
- Registro na Junta Comercial;
- Publicação na imprensa oficial a respeito do trespasse.
Em virtude de todos esses riscos e formalidades para a aquisição de um estabelecimento comercial/empresarial, é importante tomar muito cuidado. Logo, se você deseja realizar um trespasse, seja comprador ou vendedor, conte com um advogado especializado no assunto.
Caso tenha alguma dúvida e deseje, entre em contato conosco! Nossa equipe especializada está disposta a sempre bem atendê-lo. Estamos à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais que se façam necessários: (11) 2669-3888