A polêmica Lei nº 13.467 (Reforma Trabalhista), que entrou em vigor em novembro de 2017, alterou de forma considerável as normas protetivas do Direito do Trabalho, e uma delas, foi em relação ao contrato de Trabalho Intermitente, o famoso “bico”.
O que é trabalho intermitente?
O trabalho intermitente é definido na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) como “o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador”[1].
Logo, o trabalho intermitente consiste na prestação de serviços transitórios e descontínuos. A principal característica deste tipo de contrato é a alternância entre os períodos de atividade e os períodos de inatividade. Sendo assim, também há alternância em período em que o trabalhador recebe e não recebe salário.
Esta modalidade de trabalho pode ser utilizada para qualquer tipo de serviço[2].
Como ocorrerá o trabalho intermitente?
Pelo contrato de trabalho intermitente, o trabalhador somente será chamado para trabalhar quando houver demanda na empresa, o que pode ocorrer em dias alternados ou algumas horas por semana.
Para ser convocado a trabalhar, o empregador deverá chamar o empregado intermitente por qualquer meio de comunicação eficaz, informando qual será a jornada, com, pelo menos, 3 (três) dias corridos de antecedência[3].
Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de 1 (um) dia útil para responder ao chamado. Em caso de silêncio, presume-se que o trabalhador recusou o serviço específico para o qual foi chamado. A recusa da oferta, pelo trabalhador, não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente. A Lei não deixa explícito quantas vezes poderá ser recusado o trabalho para que não haja rescisão contratual.
Se o trabalhador aceitar a oferta para realizar o trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de 30 (trinta) dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo.
O período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes.
A empresa pode demitir para recontratar como intermitente?
A empresa pode demitir para recontratar imediatamente como intermitente um empregado que já atuava para ela com outro tipo de contratação.
Segundo a Medida Provisória 808/2017[4]: “Até 31 de dezembro de 2020, o empregado registrado por meio de contrato de trabalho por prazo indeterminado demitido não poderá prestar serviços para o mesmo empregador por meio de contrato de trabalho intermitente pelo prazo de dezoito meses, contado da data da demissão do empregado.” Logo, segundo a MP, para recontratar um empregado demitido como intermitente era necessário aguardar 18 meses. Porém, esta MP perdeu a sua vigência a partir de 22/04/2018, de modo que não é mais necessário que o empregador espere 18 meses para recontratar como intermitente um empregado que acabou de demitir.
O trabalho intermitente é benéfico para o trabalhador? E para o empresário?
Essa forma de trabalho foi determinada pelo legislador com o intuito de aumentar as oportunidades de emprego àqueles que não tinham emprego formal, que faziam os chamados “bicos”.
Discute-se muito se este tipo de relação de trabalho beneficia ou não o trabalhador.
De acordo com a Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, Vólia Bomfim Cassar:
“O trabalho intermitente é desfavorável ao empregado, pois ficará aguardando a convocação para o trabalho e enfrentará períodos de inatividade e estes não serão considerados como tempo à disposição, o que contraria o art. 4º da CLT”[5].
Desta forma, a Lei Trabalhista, alterada pela Reforma, deixa notória a vulnerabilidade do trabalhador em não saber qual será sua remuneração no mês, tampouco ter certeza se de fato terá alguma. Sem saber o trabalhador se terá trabalho e consequentemente salário, ele fica impedido de investir em sua própria qualificação profissional, bem como sem poder comprar um imóvel, investir no bem estar de seus filhos ou em qualquer outro bem com valor significativo.
Além disso, segundo a jurista, a Reforma Trabalhista introduziu na CLT “autorização indireta para alteração do trabalho contínuo para trabalho intermitente, desde que por ajuste escrito – art. 452-A da CLT”, o que fere o princípio da proibição de reforma para pior no contrato de trabalho[6]. Logo, os empregados podem ser demitidos para serem contratados imediatamente como trabalhadores intermitentes.
Sendo assim, ainda de acordo com a juíza, a criação do trabalho intermitente pela Reforma não teria como objetivo gerar mais emprego, pois teria visado, “na verdade, autorizar a jornada móvel variada e o trabalho variável (“bico”), isto é, a imprevisibilidade da prestação de serviços, ferindo de morte os princípios da segurança jurídica e a proteção ao trabalhador. O art. 452-A da CLT só atende aos interesses dos empresários, e não dos trabalhadores.”[7]
Por outro lado, incorporando o “trabalho em bicos”, a Lei passa a dar proteção trabalhista para esta prática. Além disso, a contratação por meio do trabalho intermitente gera a expectativa de que haverá trabalho com frequência, enquanto o “bico” – na forma como era antes da Reforma – não garantia que o trabalhador voltasse a prestar serviço novamente e com habitualidade para a pessoa que o havia contratado pela primeira vez.
Direitos trabalhistas do trabalhador intermitente
Assim como os demais tipos de contrato de trabalho, o empregado contratado como intermitente, após 12 meses subsequentes trabalhados, terá direito a 30 dias de férias. Durante as férias, o trabalhador não pode ser convocado pela empresa para prestar serviços.
Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato de remuneração, férias proporcionais com acréscimo de um terço, décimo terceiro salário proporcional, repouso semanal remunerado e adicionais legais. O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas.
O empregador deverá efetuar o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), com base nos valores pagos no período mensal e deverá fornecer ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações.
[1] Artigo 443 da CLT, incluído pela Lei nº 13.467, de 2017 (Reforma Trabalhista).
[2] Exceto para aeronautas, conforme artigo 443, parágrafo 3º da CLT.
[3] Artigo 452-A da CLT.
[4] A MP 808/2017 trouxe algumas alterações à Lei da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), dentre elas, o prazo para recontratação de empregado demitido sob o contrato intermitente. A MP perdeu sua validade a partir do dia 22/04/2018, pois não foi submetida para aprovação ao Congresso Nacional. Porém, enquanto ela esteve vigente (de 14/11/2017 a 22/04/2018), todos os atos realizados com suporte nela foram válidos.
[5] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, p. 8.
[6] Idem, Ibidem, p. 10.
[7] Idem, Ibidem, p. 13.
Fontes:
Bernardes, F. (16 de 11 de 2017). Reforma Trabalhista 2017 – O Mundo Trabalhista em Suas Mãos. Acesso em 25 de 06 de 2018, disponível em Curso Ênfase
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método
CNC. (2018). A Reforma Trabalhista – Nova Consolidação das Leis do Trabalho. Acesso em 25 de 06 de 2018, disponível em CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO DE BENS, SERVIÇOS E TURISMO
Conteúdo, E. (23 de 04 de 2018). Veja o que muda sem a MP da reforma trabalhista. Acesso em 25 de 06 de 2018, disponível em CARREIRA – VOCÊ S/A – EXAME
examedaoab.com. (2017). Reforma trabalhista é aprovada no Senado; confira o que muda na lei. Acesso em 25 de 06 de 2018, disponível em examedaoab.jusbrasil.com.br
Fernandes, A. (s.d.). O que muda com a Reforma Trabalhista? Entenda como era e como fica. Acesso em 25 de 06 de 2018, disponível em conube.com.br
Freitas, R. P. (2017). Desafios da reforma trabalhista. São Paulo: Revista dos Tribunais.
Mendonça, L. O. (s.d.). Escola Superior Ministério Público da União. Acesso em 03 de 07 de 2018
Ricardo Balthazar / Natália Portinari. (15 de 11 de 2017). O que muda com a nova lei trabalhista, e o que os tribunais ainda podem rever. Acesso em 25 de 06 de 2018, disponível em Folha de São Paulo